Por Fabio Brüggemann
É uma pena que várias gerações tenham, por conta de um estado omisso em seu dever constitucional de educar de forma libertária e sem medos, desconhecimento tão grande sobre a história das religiões. O passado é farto de casos nos quais a junção religião e estado foi maléfica. Durante séculos, a religião católica, por exemplo, dominou o mundo através de um conluio promíscuo com as monarquias europeias. Durante a Idade Média, foi a que mais lutou contra o conhecimento científico, condenando importantes cientistas, como Giordano Bruno, e levou milhares de pessoas, incluindo mulheres consideradas como sendo bruxas, à fogueira. Se fosse pelo obscurantismo religioso daquele período, até hoje seríamos forçados a crer que o planetinha em que vivemos não é redondo e não é apenas um grão de areia diante de um imenso universo.
Mas não estamos mais na Idade Média. A própria Igreja Católica, apesar de todos os ritos medievais, têm entre seus padres e bispos, pessoas capazes de debater no nível intelectual mais elevado, como o ex-papa, Joseph Ratzinger, com o filósofo alemão Jürgen Habermas, em 2004, ou o escritor e filósofo italiano, Umberto Eco, com o arcebispo de Milão, Carlo Maria Martini, que resultou no livro “No que creem os que não creem”. Umberto Eco, um agnóstico convicto, não é nenhuma encarnação do mal, como acreditam religiosos que ainda pensam deste modo medieval. Não há necessidade de se conhecer o pensamento religioso ou ter qualquer conexão com entidades divinas para se viver uma vida eticamente responsável. O próprio arcebispo escreve para Eco: “Estou convencido, além disso, de que existem não poucas pessoas que se comportam com retidão, pelo menos nas circunstâncias ordinárias da vida, sem referência a nenhum fundamento religioso da existência humana”.
Sendo assim, as proposições da ciência, tais como a defesa do uso de preservativos, do sexo sem culpa (afinal, ninguém nasce sem que alguém tenha feito sexo, antes ou depois do casamento), das pesquisas com células-tronco e da proposta de descriminalizar o aborto não devem ser analisadas sob uma ótica religiosa, pois as religiões ainda creem que somos crias de Adão e Eva, o que, digamos, é tão medieval quanto à crença de que a terra é plana. Me custa compreender o motivo pela qual as religiões insistem num erro tão grosseiro, sendo que, pela mesma ótica criacionista, errou outras vezes, e teve que reconhecer publicamente sua falha.
A questão é que a vida coletiva se transforma. Não há mais escravidão consentida, por exemplo, uma aberração social que as igrejas nunca combateram. Se a preocupação básica das igrejas é com a salvação das almas (algo que não existe sob o ponto de vista da ciência, porque nunca foi demonstrada sua existência), porque se importam tanto com o corpo no que diz respeito aos prazeres do sexo? Como escreveu o filósofo inglês, Bertrand Russel: “O senso de pecado, artificialmente implantado [na educação infantil não laica] é, mais tarde, na vida adulta, uma das causas da crueldade, timidez e estupidez”.
BATER PODE, BEIJAR NÃO.
O sexo é tão importante quanto comer ou beber água. É uma necessidade vital, seja ele feito com pessoas do mesmo gênero ou com pessoas do outro gênero. A prática sexual, assim como a prática religiosa, é de foro íntimo, sendo que ninguém tem nada a ver com isso. Se pessoas do mesmo sexo querem morar juntas ou se amarem, e se não prejudicarem ninguém, o que a religião têm com isso? Pode se manifestar contra? Claro que sim. Pode impedir? Não, porque o Estado é laico e as leis não podem ser submetidas a interpretações metafísicas, ou baseadas em crenças no além. Do mesmo modo que o Estado não pode impedir a quem quer que seja que ore para este ou aquele deus, que pratique esta ou aquela religião.
Não sei o motivo real, e talvez algum religioso possa esclarecer, desde que seja educado como foi Carlo Maria Martini com Umberto Eco, sem tentar a todo custo amaldiçoá-lo por ser agnóstico – como muitos crentes fazem com pessoas que não acreditam – por que muitos religiosos se incomodam tanto contra homens que beijam outros homens (Jesus beijou Pedro várias vezes), mas não lutam com a mesma força contra homens que batem em homens e em mulheres?
PASTORES E PROFETAS NÃO ME REPRESENTAM
O episódio do autoproclamado profeta e pastor, Marcos Feliciano, eleito à presidência de uma comissão de direitos humanos no Congresso, está sendo debatido por um viés superficial. Não importa quem ocupa a presidência, apesar de ele ser um obscurantista, porque coloca no lixo toda a história e a filosofia, desde Sócrates até Bertrand Russel. A pergunta deste debate não deve ser: "Como tirá-lo da presidência?", mas sim: "Como um sujeito tão despreparado e ignorante como este chegou à presidência?".
Esta confusão toda é apenas a ponta do problema da falsa representatividade no Congresso Nacional. Enquanto não ou houver um reforma política que estabeleça critérios justos de representação política, qualquer sujeito que se diz pastor e profeta, que engana milhares de coitados com informação deturpada, sem contrapontos possíveis, e sem demonstrações de sua aplicabilidade científica, poderá ocupar este tipo de cargo. Se não houver uma profunda reforma política, sairá um Feliciano e entrará outro tão despreparado e ignorante quanto este.
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